Pela generosidade do corpo gordo despido das certezas, deleitado na leveza do prazer


A primeira vez que eu fui transar, pensei: “E agora?! Pode ser no escuro?”. Eu me lembro de estarmos com a tv ligada e tava passando um DVD de uma banda duvidosa que prefiro não revelar o nome *risos* e o quarto já estava escuro… Então ficou aquela meia luz estratégica de filme, sabe, que você enxerga o suficiente pra não errar a boca. Eu, quando adolescente, chegava a pensar que teria de ser num breu total e que também não tiraria toda a roupa, só o suficiente! Mas onde eu estava com a cabeça de cogitar isso, não é mesmo?! Lógico que eu sei, hoje, depois de sair da bolha e entender como o mundo funciona, de me ligar no trabalho que a mídia desempenha sobre nossos gostos e desejos, só depois de ter um pouquinho de noção é que tudo fez muito sentido. Mas, mesmo fazendo sentido, não dá pra escapar das vezes que a maré baixa e a onda leva minha auto-estima embora. A manutenção é um exercício! E cansa. Todo dia olhar no espelho e fazer o convencimento de que sou linda e gostosa, cansa. Tem dia que eu mesma mando um foda-se pra mim no espelho. Porque eu não sou obrigada! Não é todo dia que consigo, não… Sou sincera. Apesar de levantar o debate sobre gordofobia, sobre padronização dos corpos, sobre tudo isso que vocês -talvez- já conheçam… Eu não sou de ferro. Peço arrego e choro em posição fetal, nem ligo.   Minha sorte é que tenho o privilégio de acessar canais de empoderamento virtual, físico e psiquico. Se não fosse esses mecanismos de apoio mútuo, eu estaria na merda! Sem sombra de dúvidas.  Quem consegue se amar sem se enxergar em nenhum lugar? Quem consegue se achar linda se o conceito de beleza é o oposto daquilo que você é? Quem consegue achar a própria bunda maravilhosa, se todo mundo exige que ela seja grande mas nem tanto, sem estrias e sem celulite?! Ahhhh, que missão! Mas missão dada é missão aplicada, não é mesmo?!

on http://fuckyeahplussize.tumblr.com/image/116241645580

on http://fuckyeahplussize.tumblr.com/image/116241645580

 

Eu confesso que ainda tenho  muita dificuldade pra reconhecer as coisas boas que eu faço, e também tenho dificuldades em reconhecer que sou gata pra caralho! Afetivamente falando, tenho marcas que vão perdurar a vida toda, certeza, mas que elas não podem ser impedimento pra uma qualidade de vida afetiva. Disso eu sei, mas na prática envolve tantas outras coisas, sentimentos e sensações que só as Deusas sabem! Vocês também sabem. Quem é gorda sabe. Quem é preta e gorda sabe do que eu tô falando. No entanto é preciso lutar pra que isso não nos tire do jogo, não é mesmo?! Nessa luta pra me reconhecer, passei a olhar as outras mulheres de forma diferente, sem buscar um padrão de beleza pra dizer o que é bonito ou não. Rejeitei o que é dado como belo, por completo. Às vezes eu to pela rua e paro em frente a uma banca de jornal pra caçar alguma capa que tenha matéria sobre maconha (assunto que eu gosto muito de ler!), e sempre me deparo (é inevitável) com umas imagens tão alteradas que me causam um mal estar. Gente, como podem destorcer tanto as mulheres! Fico abismada… Passada mesmo, sou dessas. Desacredito no que vejo às vezes. Outro dia vi uma capa que tinha a Solange Frazão (ou era a Sheila Carvalho? Não lembro, rs) de biquini e o umbigo dela parecia que tinham sido tirado e só deixado um buraco aberto! Ficou  B I Z A R R O! Sério. Ficou horrível! Fora que todo resto do corpo dela era estranho… Foi muito alterado, sabe, fica estranho demais. Eu não sei, mas não pude acreditar no que meus olhos enxergavam. Era absurdo demais! Mas é assim, a verdade é essa. Mil capas de mulheres brancas e magras, bronzeadas e alaranjadas com seus biquinis da moda; sempre uma dica de dieta ou suco detox pra fazer. Indicação de corte de cabelo e roupa de festa. E o que dizer do seguimento plus size que chega pra instaurar um padrão no corpo grande? Risos de constrangimento, viu! Chega ser deprimente uma proposta dessas! Algo que poderia realmente propor uma revolução, com corpos G O R D A S, com B A R R I G A S       G R A N D E S à mostra, com S E I O S naturalmente belos, com B U N D A S variadas, C O X A S avantajadas de grande… Uma infinidade de possibilidade, uma vez que o corpo gordo resplandece uma grandeza de formas que eu realmente não sei como as pessoas não gostam! Eu gosto. MUITO!

 

on www.myhiddencuriosities.tumblr.com

on www.myhiddencuriosities.tumblr.com

Antes eu me olhava no espelho e pensava cá comigo: “que estranho! Essas estrias, esse peito caído, essa barriga enorme… O que eu faço com tudo isso?!” As perguntas sem respostas deram lugar à afirmação daquilo que não há chance de mudar: meu corpo vai envelhecer assim. Grande e Gordo. Com seios caídos, com estrias e pelinhos também! Minha bunda, que eu nunca achei bonita, pois só pensava que boniteza seria se tivesse aquela curva voluptuosa, sabe… Não herdei isso de família. Eu e minha mãe somos “sem bunda” como ela costuma falar… E que mal há nisso? Depois de um tempo cheguei a conclusão que nenhum mal há no corpo de existir da forma que é! N E N H U M  M A L! Nenhumzinho. O mal mesmo é o racismo que destrói qualquer chance de auto-estima que possamos ter. O corpo moldado pela edição de imagem é que age sob nossas ideias e deturpa toda chance que temos de nos amar. Esses inferninhos são tão potentes, aaarrg, que raiva! Mas o trabalho aqui é de formiguinha e é constante, não dá pra desanimar! Senão já era. Esses dias eu levei uns tapas na cara (não no sentido literal) de militantes lesbofeministas que tão aí no rolê há tempos e tão cansada de passar pelo que eu to passando. Ah mas eu levei gostoso um “Acorda, querida! Bora viver! Se você se deixa abater é tudo que eles querem!”. Basicamente isso. Foi o suficiente pra me fazer tomar vergonha na cara, e por exemplo, voltar a querer escrever… Porque nem isso eu tinha vontade nesses últimos tempos (vocês perceberam né?). Às vezes é preciso levar uma dessas pra acordar pra vida, sabe… É tanta desgraça que acontece e que a gente tem que lidar que chega uma hora que você só quer desistir. Mas aí não dá. Querer não é poder quando você é preta, lésbica, gorda, desempregada… Não dá pra ter essa opção pra assinalar na vida. Ou eu reajo ou serei morta, literalmente dessa vez.

 

on http://fatqueerbabee.tumblr.com/

on http://fatqueerbabee.tumblr.com/

Encontrar a beleza da vida é fácil: ela está no corpo. Pra mim, obviamente, que sou uma admiradora apaixonada pelo corpo gordo, não me faço de rogada quando tenho a chance de ficar frente à frente com as curvas do tesão! Eu observo cada pedacinho porque não tenho câmera pra registrar essa maravilha que é uma mulher gorda e preta na minha frente, desnuda de vestimentas, só ali junto à mim. Nós duas. Esse é o momento mais bonito que tenho tido. Intimamente falando, eu me apaixono fácil. Sou de chamego e não meço tempo pra carícias. Nem gosto que sejam rápidas comigo. Prefiro a demora do êxtase à rapidez que deixa passar despercebido os detalhes. E eu adoro detalhes! Sempre vou preferir os detalhes, de preferência: os mais sórdidos! Ah como isso é gostoso! Me acabo facilmente, não tenho dó de mim nessa hora. Posso passar horas registrando cada centímetro daquela mulher ao meu lado, pois não é sempre que tenho a sorte de dividir a cama com tamanha beleza!

 

on www.dontwastegoodlipgloss.tumblr.com

on www.dontwastegoodlipgloss.tumblr.com

on www.dontwastegoodlipgloss.tumblr.com

on www.dontwastegoodlipgloss.tumblr.com

Fecho os olhos e lembro das sinuosas curvas que se atravancaram com as minhas, num roça-roça sem fim fazendo pingar gotículas de suor da testa. Os seios maiores que a barriga, onde humildemente estendi minhas mãos e fui acolhida por uma pele quente e eriçada do tesão que fluía duma pra outra no inflar dos pulmões já agitados.  O fato de não conseguir segura-los todinho em minhas mãos é que me pone loca! No verso do corpo me aguarda uma planície que, hora lisa e sem fissuras, hora marcada por pontinhos desconhecidos na pele e trilhas em alto relevo que revelam caminhos a desbravar tranquilamente. Toda uma estrutura que sustenta aquele corpo inebriante me apresenta sempre uma chance única de brincar por toda extremidade e a dentro, indicando por uma trilha de pequenos pelos a imensidão mais abaixo… Me reservando um final perfeito como duas montanhas quando empinadas. Isso sim é paisagem! Brinco de escorrega com a língua e me jogo no fundo da fenda que gosto de chamar de poço dos desejos. Bem assim, desejos. Muitos desejos brotam dali. Tantos outros morrem ali pra se tornarem eternos na memória gustativa da língua, tanto quanto o olfato guarda o cheiro que nunca será como o outro. Sou abusada, não me aguento, quero ir até o final pra encontrar o pote de ouro. Busco a calma e me aprumo toda, sei que é o momento aclamado, pode ser tudo ou nada. Insegurança passa longe, fica o instinto. Passo a ouvir o corpo que está comigo. Já repararam nos movimentos? Nos músculos se contraindo e relaxando? Acho mágico esse momento e a capacidade que temos de oferecer prazer à outra! É absurdamente lindo e generoso! Mergulho no mel que brota dali, que ora é viscoso ora mais líquido, sem deixar de ser saboroso. Um outro beijo se inicia, dotado de voracidade e estímulo! Eu adoro beijar! Vocês não?  De modo que me ponho em aprendizado cada vez que me disponho a ser da outra naquele momento.  É como num primeiro dia de aula: você não faz ideia de como vai ser, sente frio na barriga, mas fica até o final pra descobrir!

 

by Zanele Muholi

by Zanele Muholi

O melhor nessa brincadeira sensual só acontece quando nos despimos da preocupação, de uma timidez plantada no nosso âmago, e possamos assim largar roupas no chão sem pudor. A existência desses corpos gordos, juntos, é a resistência meu bem! O ato político mais gostoso de exercer, que envaidece e anseia novos ares de liberdade a cada dança dos quadris. Que cada momento junto de outra mulher gorda seja único e surpreendente. Permitir-se é um ato de liberdade enlouquecedor, principalmente se quem está do seu lado enlouquece junto!

 

4 Comments

Add yours
  1. 1
    Natália

    Que texto mais lindo! Depois de ler tive que ir pra frente do espelho e lembrar pra mim mesma das partes do meu corpo que as vezes eu tenho medo de achar bonitas, que muitas vezes eu me pego escondendo ou evitando mostrar sem perceber. Obrigada, depois de ler esse texto pelo menos por um dia todo eu vou sentir que eu sou linda do jeito que sou, que cada estria e cada marca que eu tenho é parte, é um pouco do que me torna eu mesma.

  2. 2
    Fran

    Vendo a descrição dos momentos ternos de prazer no texto ao mesmo tempo que parece errado concordar com a beleza dos detalhes há a libertação de poder além de viver intensamente a relação sexual como também pensar e saber que não a nada de mal em ser quem é e estar com a pessoa que quer estar. Obrigada por compartilhar esse texto!

Comments are closed.