Um banheiro químico ainda seria melhor
Faz pouco mais de um ano andei de avião pela primeira vez. Nas primeiras vezes era aquele constrangimento interno que eu tenho certeza que ficava estampado na minha cara que eu não tinha prática nenhuma de estar naquele espaço. Eu nunca tinha ido no banheiro, sempre me preparava fisiologicamente para não precisar: não tomava água duas horas antes do voo, ainda fazia xixi antes de embarcar; dentro do avião eu até aceitava um copo de bebida, e era só aquilo até o fim da viagem. Eu fazia xixi no desembarque, sempre estava apertada. Mas eu nunca ia no banheiro do avião, nem passava perto… Era meio que um fantasma que rondava aquela portinha e que me impedia de chegar até lá porque eu já imaginava o que iria encontrar e uma cena trágica se desenrolava na minha mente. Vejam, eu sou gorda. Bem GORDA. GORDA PRA CARALHO! As poltronas não me cabem direito, não raro as pessoas que sentam ao meu lado me julgam culpada pelo aperto da fileira, elas reclamam como se eu não estivesse ali – embora fosse do meu corpo que elas falavam, eu não existia de certa forma. É muito louco e eu poderia descrever inúmeras situações que já me ocorreram nessa onda de viajar de avião, mas vou me ater só no fato novo: Eu fui ao banheiro do avião! SIM! Eu precisei ir, foi inevitável. Foi medonho também porque depois que consegui entrar, fiquei pensando “se eu fosse um pouquinho maior, não teria conseguido mijar”. Quando me abaixei naipe posição goleira, meus joelhos pressionaram contra porta, meus braços estavam junto ao meu corpo num aperto claustrofóbico, e meu xixi saiu lento e sem pressão. Eu estava consternada. Olhava ao meu redor, aquele pouco espaço, e pensava em quem teve a ridícula ideia de aceitar um banheiro tão pequeno quanto esse. Uma pessoa gorda não fica confortável ali, uma pessoa cadeirante faz como??!! Muitas problemáticas nisso tudo, mas o fato é que aquela cabine é menor do que um banheiro químico normal. É muito minúsculo, é abafado também, é péssimo. Eu não me assustei, obviamente, era tudo que eu já imaginava… Mas ter tido o ímpeto de levantar sem pensar muito e desafiar esse monstro que pairava na minha mente, foi realmente novidade pra mim. Eu tinha planejado NUNCA ir ao banheiro de um avião, a menos que fosse um caso extremo (e olhe lá!). Não estava nos meus planos visitar o banheiro tão cedo assim. E como uma boa sagitariana, cumpri o requisito do meu signo e, impulsivamente, fui. E constatei a pequenez do espaço. A grandeza do meu corpo. A relação que corpo & espaço tem num ambiente daqueles e que, consequentemente, reverbera de algumas formas na sua identidade, na sua subjetividade. Foi uma experiência inusitada e que aos olhos de algumas pessoas, pode parecer ridícula de se contar, mas para quem é gorda e tem que se preparar psicologicamente e fisiologicamente pra enfrentar um cômodo, é algo importante de se explanar. Quem sabe agora eu fico tranquila quanto a isso… Já superei a parte de pedir extensor de cinto toda vez que entro no avião. Já é de praxe e eu não me incomodo mais. Quando vou entrando, a pessoa comissária de bordo me cumprimenta e eu prontamente “Bom dia, você pode levar um extensor de cinto na poltrona 30 C por gentileza, obrigada”. Só faço o pedido e nem fico pra ver a cara que fazem ou os comentários que possam ter. Não me importo. É obrigatório esse negócio, né? Se fizesse uns 20cm a mais já ficaria tudo certo, mas o “PADRÃO” não permite botar um pouco a mais de material naquele cinto. Também não me incomodo mais com a cara feia das pessoas que se sentam perto de mim. Ah que se foda! Não foi eu quem desenhou o avião, a culpa não é minha! Também não ligo mais quando as pessoas mudam de lugar, e elas fazem isso sempre. Hoje mesmo, nesse dia em que eu fui no banheiro do avião, o cara que estava sentado na janela (e eu no corredor), saiu pra ir ao banheiro e não voltou mais. Ficou só eu uma moça, sentada no meio, na fileira de poltronas. Ela inclusive, vendo que a bandeja não cabia no espaço entre meu corpo e a poltrona, ofereceu a sua pra eu apoiar o copo de suco. Achei querida e dividimos a bandeja sem conversar. Só dividimos ali aquele espaço e pronto, tudo bem. Não me senti mal também. A culpa não é minha por não haver espaço suficiente entre as poltronas, por quererem enfiar mais gente duma vez ao invés de prezar por um pouco mais de conforto! Então, a parte do banheiro foi uma pequena vitória pessoal que eu pude ter hoje, estou satisfeita porém, ainda guardo muita raiva dessa sociedade padronizada que faz questão de me lembrar a todo momento que eu não vou caber em nenhum lugar, que sempre terei dificuldades em tudo, que nada será para meu corpo. Ainda tenho raiva, muita raiva e não vou deixar de ter tão cedo. É isso que me movimenta, meu combustível mais precioso é a raiva.
Imagem destacada: By Eduardo Fonseca
bah, avião é uma merda mesmo. não sei se é fácil pra ti escrever, mas pra mim é muito bom ler esses relatos de coisas que muitas vezes já pensei e nunca tive coragem de falar com ninguém… que sempre fiquei me sentindo que não cabia porque não merceia estar ali. mas a gente merece. obrigada pela tua coragem de escrever. Seguiremos abrindo espaço.