#SapatonizeAGosto: Luana, não esqueceremos!


Por Nina Ferreira

23 de abril ·
pérola marrom
na verdade
todo esse tempo
eu tenho atravessado linhas de constrangimento,
tipo equilibrista:
cum ferro e madeira na mão e
uma pérola impronunciável
dentro da boca.
[essa pérola com certeza é escura, talvez mais pra tinta dos meus olhos, uma vez disseram:
“impossível ver sua pupila longe do sol”] & sei
que meu corpo é equilibrado, sei
que é alongado sei
que é forte, embora flácido
[fortaleza distinta mas que guenta cada miligrama do chumbo olhar de desprezo guenta
não ser aquele que é de.mora.damente admirado guenta
o terror da chacina dura contra cada variação de tom da sua cor escura guenta
pouco afago
&
também sustenta lustrosa responsa:
brincar capoeira com as criança, ter o axé d’orixá que é árvore sagrada e
cantar.] eu não quero ser outro, outra
não passo por homem ou
por mulher
[muito taciturna, de bermuda, cabelo agora curto, peitos mais pra pendentes que pra duros e um quadril largo demais pra tanto respeito, tanta admiração, tanto tesão sem explicação – que eu chamo heteronorma, outros chamam: natural…querendo ou não arduamente construído, freneticamente alimentado feito bicho raro fora de abitati, só que venerado] mas li sobre o que fizeram co’a luana, sapatão como eu, mais escura que eu e pensei:
não quero
sair de casa hoje.
feito minha mente fosse
máquina fotográfica,
câmera full hd
me lembrei
do medo que eu sinto às onze no centro…
do meu constrangimento implantado
feito chip que botam nos pássaros
[com certeza eles sabem] do pavor de que um cara armado, honrado, fardado
me veja como uma ofensa
à sua forma
&
me olhe tanto que
eu suma me
grite tanto que
eu fique muda que
me faça
mal.
não quero ser outra, outro:
cá dentro do meu ori,
tem um par de olhos ensolarados y
uma paramenta marrom
que canta,
diz
que é de axé que eu seja feliz &
luana também.
não só no orun,
mas aqui!
[em todo lugar].