#SapatonizeAGosto: Cintia Tâmara


Berkeley, California. 24 de agosto de 2016.

O maior desafio é aceitar as camadas de opressão como nossa matéria. Aceitar que nosso corpo, que nossa existência incomoda. A gente não veio ao mundo pra ser rejeitada. Principalmente quando a gente não se vê fazendo algo que reflita isso. Levei muitos anos negociando com a opressão e me beneficiando do conforto de não enfrentar um diálogo duro com meus pares: minha família e meus amigos. Nesta mesma trajetória os pares continuam do nosso lado, a família e os amigos. E muitas vezes a sensação é desconfortante. Em algum momento a gente se reconecta e as coisas vão se acalmando em nós e neles. Eu vejo esse como o maior desafio da viabilidade de nos assumirmos de fato. Aceitar que nosso lugar no mundo não será um lugar de conforto. Por outro lado, a gente vai descobrindo outras formas de conforto. Que não é aquele que a sociedade patriarcal racista colonial construiu. Que é o conforto que só quem assume ser diferente conhece. E esse conforto também é passageiro, porque para além das camadas de opressão existem as camadas do que é humano que há dentro de nós. O que posso dizer é que as minhas conquistas me fortaleceram, ainda que durante muitos anos eu não considerei que fossem mérito meu. Mas quando aprendi a reconhece-las me reconectei comigo mesma. Então o que posso dizer é que continuar a luta pela liberdade é o melhor caminho. A liberdade de ser quem somos de fato. As lutas políticas são um suporte incomensurável e necessário. Mas há algo a ser conquistado em nós para além delas. O que somos e o que queremos mudar no humano. Qual a nossa contribuição como parte desse processo de construção do humano. E nós temos um potencial enorme pra isso.

Cintia Tâmara
Coletivo Angela Davis – Universidade Federal do Recôncavo-UFRB
Doutoranda PPGNEIM-UFBA –
Visiting Student Researcher – UCI Berkeley