Registro das minhas motivações



Eu já olhei vários sites para lésbicas. Vários sites para gordas. Vários sites que prometem, em um post, te dizer como vai chegar ao seu orgasmo máximo. Alguns sites visitados também diziam o que você NÃO deve fazer na hora do sexo, e o que você deve -claro. Outros, porém, diziam a posição ideal para você. Olha, que cômodo, não? 

“Não se preocupe em experimentar, em tentar tudo que vier na sua cabeça: nós  damos a resposta, você tenta, se frustra e se sente a pior mulher  de todas. É isso aí, caia nas nossas armadilhas de controle sexual, mulheres. Bem-vindas!”


Foi tudo que eu li, em busca de ideia para conseguir bolar um post pracá. No entanto, não é sobre nada disso que eu vou escrever a partir de agora porque preciso deixar registrado algumas coisas.

 

Vou contar o que aconteceu e que não é de hoje, nem de um mês atrás….


Numa das minhas consultas à psicologa, ela comentou sobre o meu blogue com uma palavra:  chocante. Logo de cara não concordei muito, mas ao decorrer da conversa, tive que dar o braço a torcer: sim, é um blogue chocante. É impactante, é quase que surreal um espaço virtual intitulado Gorda e Sapatão, escrito logo por uma gorda E sapatão

Em quais outros espaços vocês já leram alguém se afirmar dessa maneira? Da maneira que quase ninguém quer ler/ouvir/ser? Confesso que eu não conheço nenhuma mulher que se apresente assim (porque eu me apresento assim em vários espaços virtuais, e físicos).  Por isso, é realmente de chocar aqueles olhos que se negam em me enxergar como gorda e que me sinto bem assim. Os mesmos olhos que insistem em tirar minha lesbianidade a força. 


Por Elaine Campos on Facebook


Esse blogue nada mais é do que o fruto “ciber-palpável” da minha indignação, da minha insatisfação enquanto mulher lésbica cidadã, que deseja diariamente uma sociedade justa e sem lesbofobia. Sem todas essas violências que atingem todas as mulheres,negras, lésbicas, gordas, sapatãs OU não.


Eu senti necessidade de vomitar todos os meus questionamentos pessoais, de uma forma boa. Vindo aqui, publicando imagens de mulheres gordas e nuas; escrevendo sobre as minhas experiências e revertendo todos os dados ruins que acumulei, em reflexões boas!

Lendo desde o primeiro post, eu pude perceber que consegui passar de uma forma positiva todo esse meu descontentamento. E o melhor disso tudo é saber que consegui, efetivamente, atingir mulheres gordas ou não, sapatãs ou não, da melhor forma possível. Pontos pra mim!

Por Elaine Campos on Facebook


Só que eu preciso dar os devidos créditos nisso tudo. Hoje, se eu consigo parar e refletir. Se eu consigo parar-refletir E escrever sobre o meu tamanho, sobre a minha lesbianidade…. Não pensem vocês que isso tudo veio do nada. E ainda bem que não veio, sabe? Minha motivação para esta ação aqui proposta, surgiu de um longo processo de uma emancipação individual de consciência, que tem me movido à participação mais efetiva no campo da militância lésbica-feminista. Um processo no qual, foi me trazendo novas concepções e me fazendo construir novos mecanismos de responsabilidades enquanto mulher lésbica. 

Isso tudo que eu escrevo hoje, faz parte de uma sequencial quebra de padrões determinantes dentro do nosso sistema. Veja: desde pequena, fui ensaiada a gostar de meniNOS, a gostar de rosa e separar coisas de ‘meninos e meninas’; fui educada para não andar de skate, jogar futebol ou qualquer outra coisa que caracterizasse ‘menino’; fui obrigada a sentir desejo por homens e me sentir agradecida por isso. Tenho 21 anos, nada disso descrito acima fez sentido em qualquer parte da minha vida e só hoje eu sei explicar esse ‘fenômeno’. Sou lésbica desde que nasci, mas não me deixaram livre para expressar isso, só hoje eu sei desse ‘fenômeno’. 

 


Veja mais isso: em todas as revistas a foto da capa é de uma mulher magra; nos jornais, o editorial de moda só tem mulheres magras; na televisão aquela que aparece é magra e é considerada a mais “gostosa”. No cinema, as protagonistas são majoritariamente magras. Entendam: eu sou gorda. Não sou acima do peso, sou gorda e não tenho motivos para emagrecer, além de uma torcida organizada que deseja isso… eu mesma não tenho!

 
Juntando essas duas coisas e colocando de frente com o que você vê da sociedade. Percebe o mesmo que eu? Quebrei o padrão por ser lésbica. Quebrei o padrão por querer continuar gorda. E ah! Quebrei o padrão por permanecer com meu cabelo lindo crespo-e-roxo. 



&tt;td class=”tr-caption” style=”text-align: center;”>Por Elaine Campos on Facebook


Olhando para trás, eu percebo hoje o quanto evolui. De fato, consegui ficar de bem comigo pois entendi meus motivos para tal. Mas este espaço não é só individual. É um espaço construído a partir da ideia de que eu não estou sozinha. Se eu venho aqui escrever a vocês que é natural ser lésbica; que não há ofensa em ser chamada de gorda, que não há sentido em odiar seu corpo e suas estrias: Eu não falo isso só por mim. Eu me junto ao coro de todas as outras mulheres que são silenciadas por aí, para que todas nós sejamos fortes para reivindicar nossos espaços próprios – de luta, de arte, de encontro – , falando em alto e bom tom.  Conversar com vocês, oferecer apoio, buscar conhecimento na outra, é disso tudo que este pequeno blogue vos diz. 


Tudo isso aqui é na verdade, uma afronta social. Tudo isso aqui é uma demonstração da lógica contrária que nos cerca.


E eu deixo aqui, devidamente registrado, que não me retiro da luta até que todas nós sejamos livres de verdade!

 

Att,
à gerência gorda.