nós gordas não agradecemos pela sua atenção


Desses meus anos de frequência à casas noturnas (buatchys!), tanto LGBTT quanto hétero,  uma coisa sempre foi muito nítida e explícita: As mulheres gordas nesses espaços sempre ficavam sozinhas, digo, não havia murmirinho sobre quem ela ficaria ou deixaria de ficar;  ninguém ficava indicando amigos(onde eu mais senti isso, foi em ambientes heterossexuais que sim, eu já frequentei um dia, mas ok) para ela.

Eu lembro bem dessa situação  porque era difícil encontrar outra gorda na balada. Eu geralmente me sentia a estranha, um ser não pertencente naquele local, uma desajustada.

 

O meu entorno era composto por pessoas magras, logo, o que eu estava fazendo ali? Eu sentia uma pressão enorme quanto a isso, mas meu objetivo era único na balada: Queria me divertir sem importar à quem! Eu propunha a sair de casa para diversão e me negava a voltar de manhã sem ela.
E era isso que eu fazia (toda via, não era tão simples como parece nessa escrita, ok).Sempre permanecia com o grupo que estava comigo na festa. Não interagia (no sentido flerte da palavra)  com as pessoas avulsas por motivos de: sou gorda e dificilmente as pessoas interagem com as gordas

Até mesmo depois que eu comecei a frequentar só ambientes gay friendly, ainda assim, a história se repetia. E nem é o caso de ser mais “tímida” ou sei lá… As pessoas não gostam da imagem alheia estando gorda. Isso incomoda. E assumir para os demais, que você está SIM ficando com uma pessoa gorda, me parece que requer um certo ‘preparo’ da outra parte envolvida.

Aí se instala algo muito problemático e sintomático, porque o corpo redondo não é visto como sexual (via de regra, existem as exceções mas não são delas que eu estou falando), na verdade, este corpo só visto com todas suas nuances e arestas depois que há uma “paixão” entre as pessoas e aí há o descobrimento daquele corpo e das sensações que eram advindas dele. Mas antes disso não, ok.

Imagine, sentir atração por uma pessoa gorda? Desejar aquela gorda daquela roda ali, o que? Não!!!
Na revista diz o contrário, não é? A TV mostra que gordas e gordos sofrem com a depressão por não conseguirem emagrecer (você nunca é feliz com seu corpo, precisa viver em busca do padrão irreal de beleza), logo, são infelizes e incapazes de ter vida sexuai ativa.

Anula-se totalmente a sexualidade. Debocha-se dela. Piadas são contadas aos 4 cantos e as gargalhadas ecoam.

 

Eu queria muito saber o que pensa essa galera que acredita piamente que pessoas gordas não sentem tesão, não beijam de língua, não se masturbam, não trepam e se quer gozam. Sério, conte-me mais porque até agora nada faz sentido, além, claro, da sua gordofobia [ad infinitum].

 

O tamanho da minha barriga não diminui o meu tesão. O meu seio caído não faz do meu beijo ruim. A minha coxa grossa não impede o meu gozo, sabia?
A merda do IMC que tantos gostam de jogar na nossa cara, não… nem isso impede  meu orgasmo. Meu peso não me impede de desejar outra pessoa. Ah! E a minha bunda gorda-gigante não impede sexo anal.
E aí que enquanto você caminha, o cara do lado fica imaginando o quão infeliz você é por ser gorda e, logo, por não ter ninguém para transar. É o desconhecido que questiona o exercício a sua sexualidade com um livre arbítrio, assim… descomunal!

Aí temos, situações como descrevo abaixo (que de longe, me fazem ficar surpresa, infelizmente)Esses dias, uma amiga veio me contar sobre o que ela passou durante as festas. Não foi novidade pra mim o que ela disse:

 

“(…)fui em 3 aniversários em baladas e sempre chegavam uns caras em mim… no fim da noite… tipo, umas 4, 5 da manhã E eu me pergunto se o cara não queria investir antes porque tinha, sei la, vergonha de ser visto paquerando uma gorda ou, se ele pensava algo do tipo “meu deus, já são 5 da manhã e não peguei ninguem, deixa eu ‘abaixar’ meu critério aqui”
E eu sempre recusava. E um deles ficou profundamente ofendido. Basicamente disse que eu deveria agradecer por ele ter caridade, pena de mim que fiquei pro fim da noite…

Nesse âmbito da pegação, onde o objetivo das pessoas (principalmente dos homens) é beijar o maior número possível de bocas numa noite (sem moralismo acá), a boca da mulher gorda não entra nesse check list. Ela nem é cogitada. Na verdade, ela é cogitada para ser o alvo de humilhação e aposta: O cara que beijar aquela gorda vai ser zoado pelo fim dos seus dias pelos amigosEle não pode se sentir atraído por uma mulher gorda porque isso não é válido.
“Ela é gorda, chapa! Tem todas as outras minas magrinhas, branquinhas e descolas, porque você quer logo essa? Tá de zoera né? Sabia!”

Não bastasse isso, os homens realmente entendem que a gorda é o fim da festa. Ela é indigna de beijo, é desprezível qualquer aproximação mais íntima. E quando ele chega demonstrando que quer um beijo, a gorda não tem direito a recusar isso. Afinal de contas, isso é um “favor” que o cara faz a ela. Na verdade,  ela deveria endeusa-lo por tal ato, já que todos os outros rapazes a ignoraram a noite toda, não é? 

Isso é muito sintomático diante de todo o processo de deturpação midiático da gorda, onde ela é aceita mas com uma determinada forma. Nem muito barriguda, nem muito peituda, nem tanta bunda ou coxa. Ela ainda precisa encaixar num padrão, que não é o magro, mas que também não é “MUITO” gordo. 

http://fatgirlposing.blogspot.com.br/


Pautado sempre na heteronormatividade, onde o corpo da mulher precisa, necessariamente, ser muito bem apresentável para agradar o olhar do macho, episódios como este se repetem diariamente na vida de várias meninas e mulheres. Que já foi naturalizado e compreendido. Quando na verdade, esse é um dos frutos da violência contra a mulher. Reforçar a obrigatoriedade de um único corpo como padrão, é violência. Reforçar a obrigatoriedade heterossexual, é uma violência. Não se naturaliza, combate-se. Não passa adiante, extingue-se.

Não é impressão minha que a sociedade parte do princípio-norma que a base organizacional da população,  é heterossexual.
Não é impressão minha que a sociedade condena corpos que não correspondem às expectativas.
Não, não é impressão minha que excluem-se aquelas pessoas cujo binarismo não as compete. Estes são fatos.

E definitivamente não: nós gordas não agradecemos pela sua atenção.


Tenha uma
boa 
noite

ou

morra

PS: Eu não reivindico aqui a sexualização e objetificação do corpo enquanto mercadoria. Eu reivindico aqui a emancipação dos corpos no não pertencimento da regra. Eu reivindico aqui a não naturalização da violência que vivenciamos nas pequenas ações cotidianas. E acima de tudo, eu reivindico aqui a autonomia dos corpos se atraírem quando desejarem, sem receios. Livres dessas amarras sociais, livres dessas fobias escrotas.

Nota: “Uma pessoa cis é uma pessoa na qual o sexo designado ao nascer + sentimento interno/subjetivo de sexo + gênero designado ao nascer + sentimento interno/subjetivo de gênero, estão “alinhados” ou “deste mesmo lado” – o prefixo cis em latim significa “deste lado” (e não do outro), uma pessoa cis pode ser tanto cissexual e cisgênera mas nem sempre, porém em geral ambos.”
Você pode saber mais visitando Transfeminismo.com