Lésbica, a Lei Maria da Penha também te protege!
“Começou proibindo Ela de usar roupa que considerava curta. Depois selecionou os bares que podia ir, os restaurantes que poderia sentar par comer, as baladas que iria. Nunca sozinha, sempre ao lado dela. Passou a proibir alguns amigxs de estar em contato com Ela. Foi estreitando o cerco; suas amigas e amigos sumiram. Só saiam sozinhas e no máximo com um casal de amigas. Quando ela não queria sair, a companheira também não podia.
Passando o tempo, o tom de voz aumentava a cada briga. Em cada momento de nervoso, começava a quebrar objetos pessoais dela… a mesinha de centro da sala. Até que um dia a golpeou no rosto, puxou-lhe os cabelos em meio a gritos estridentes repletos de xingamentos…O motivo? Pode ter sido ciúme, 20 minutos de atraso, um olhar que pareceu ir em direção a outra mulher, um sms de uma amiga que ela já imaginou ser amante da companheira. Um motivo banal que culminou na violência e que não tem justificativa”
(narrativa resumida de um triste caso que ouvi tempos atrás)
Não é 29 de Agosto – Dia da Visibilidade Lésbica-, mas precisamos falar sobre isso.
A violência doméstica caracteriza-se por qualquer agressão física, sexual ou psicológica entre casais que usam destas violências para estabelecer o poder sobre sua parceira. E quando se trata de relações entre lésbicas, esse quadro se complica. Porque existe uma falsa ideia de que não existe uma relação de poder entre pessoas do mesmo sexo. Há também, muito enraizado e denso, a ideia onipresente de que em relacionamentos lésbicos, isso também não existe, porque as mulheres, historicamente, são vistas como um símbolo de cuidado, de submissão, são naturalmente “não violentas”, muito carinhosas e onde já se viu a mulher querer impor alguma coisa, né?
Então, é aí que nos esquecemos que nós, lésbicas, crescemos nessa sociedade machista e desde cedo, fomos ensinadas que um dos lados TEM que comandar a relação, que o ciúme e o sentimento de posse são características de um bom relacionamento -porque existe a “preocupação” e o “cuidado” com a outra (sou só eu ou mais alguém também concorda que dominação&ciume não fazem parte de um relacionamento saudável?)
Esses elementos exacerbados fazem com que a violência entre lésbicas no âmbito doméstico, não seja reconhecida como violência, e o assunto se torna um mito, porque a sociedade enxerga as relações lésbicas como igualitárias.
“Quando você acredita no mito de que uma menina nunca poderá ser violenta com a outra, isso acaba por silencia as dores que podem haver na situação de violência entre o casal – de lésbicas.
No Brasil, a Lei Maria da Penha (nº1 1.340/06) prevê punição à abusos que ocorrem entre casais de lésbicas, sejam atuais ou já rompidos, duradouros ou curtos, e que convivam ou não juntos.
Nesse contexto, a pesquisa Lei Maria da Penha (LPM) em Casos de Lesbofobia, realizada pela Coturno de Vênus – Associação Lésbica Feminista – com financiamento do Fundo Direitos Humanos Brasil, com previsão de publicação para fins de 2012, mostra que mais da metade das pessoas entrevistadas – cerca de 59% – não sabem que Lei Maria da Penha protege todas as mulheres, “independente de orientação sexual”.
Este detalhe expresso no corpo da Lei, demonstra que ela também foi criada para prevenir e punir violências contra lésbicas e mulheres bissexuais, mesmo em casos de violência intrafamiliar (dentro da família) e doméstica (com pessoas que residem no mesmo domicílio). No entanto, o desconhecimento deste detalhe importantíssimo para nos, lésbicas, revela a invisibilidade que as relações lesbianas ainda possuem na sociedade. E colabora para silenciar as situações violentas no interior dessas relações.” (CFEMEA, 2012)
Se tornando um mito, cria-se um entendimento de que a mulher masculinizada é a agressora (porque é associada ao homem e seus estereótipos) e, em via de regra, a mulher feminina é a vítima. Mas o mote da violência é a disputa de poder nas relações lésbico-afetivas, e não uma disputa de gênero. E aí a gente pode entender que uma mulher TAMBÉM pode ser uma agressora e que, a vítima não tem “cara de vítima” e a agressora não tem “cara de agressora”.
Uma violência que é menosprezada é a violência psicológica. Essa que faz com que a vítima se sinta obrigada a pedir permissão para fazer qualquer coisa; que se sinta culpada sem motivo; que sinta medo da companheira em determinadas situações. A violência psicológica é muito rotineira, e talvez, você aí pode ter passado por isso… ou esteja passando. O ato constante de humilhar a vítima, seja em casa ou entre amigxs; cercea-la de todas as suas necessidades, limitando tudo que ela faça ou fale. Perseguições via telefone, na rua, ameaças de término de relacionamento, proibição de saídas sem ser acompanhada pela agressora…Isso é sim violência!
E você não está sozinha! Há muitas lésbicas passando por essas violências e que são negadas à existência porque não há o reconhecimento do abuso de poder nas relações lésbicas.
Existe uma necessidade mais que urgente de reconhecer que existe violência entre lésbicas.
Denise Bertolini explica que “A própria comunidade lésbica não quer ser vista como problemática, o que dificulta ainda mais a abordagem dessa discussão e isola a vítima do coletivo. Agora, como evitar que sejamos vítimas de violência doméstica? Como criar um espaço seguro para que possamos por em pauta e dividir nossas experiências?
Um dos primeiros e grandes passos é reconhecer que existe violência entre mulheres. A partir disso, debater aberta e constantemente a comunidade sobre o tema.” Numa publicação para o Sapatomica, onde além de apontar a existência da violência entre lésbicas, fazia um convite para uma oficina incrível que levantou junto com a Elisa Gargiulo, que rolou em 2012. Leia mais aqui.
Por Elaine Campos on facebook |
Essa monografia explica bem desenhadinho algumas coisas pra gente: “Lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros, que tenham identidade social com o sexo feminino estão ao abrigo da Lei Maria da Penha. A agressão contra elas no âmbito familiar constitui violência doméstica. Ainda que parte da doutrina encontre dificuldade em conceder-lhes o abrigo da Lei, descabe deixar à margem da proteção legal aqueles que se reconhecem como mulher. Felizmente, assim já vem entendendo a jurisprudência”. (DIAS, 2010, p. 58)”
E ainda mais: “(…)Para Almeida (2010), a aplicação da Lei Maria da Penha cabe somente quando o sujeito passivo for do sexo feminino, ou seja, a vítima for mulher, podendo ser autor do fato, homem ou mulher. Confirmando o que foi afirmado por Almeida, no trecho anterior, veja-se o comentário de Souza (apud DIAS, 2010, p.54)
“Para a configuração da violência doméstica não é necessário que as partes sejam marido e mulher, nem que estejam ou tenham sido casados. Também na união estável – que nada mais é que uma relação íntima de afeto – a agressão é considerada como doméstica, quer a união persista ou já tenha findado. Para ser considerada a violência como doméstica, o sujeito ativo tanto pode ser um homem como outra a mulher. Basta estar caracterizado o vínculo de relação doméstica, de relação familiar ou de afetividade, pois o legislador deu prioridade à criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher, sem importar o gênero do agressor.”(…)”
Esse foi um estudo feito pela bacharel em Direito, Dayane de Oliveira Ramos Silva, sobre “Aplicabilidade da Lei Maria da Penha: Um olhar na vertente do gênero feminino” que você pode Ler mais aqui.
PS: Esse texto faz parte de um estudo inicial sobre violência entre mulheres lésbicas, aguardem.