Lesbianidade e maternidade é possível.


Quando eu era pequena, sempre brincava de casinha… Eu era a mamãe e as bonecas, as filhas. Mas eu nunca tinha cuidado com elas… As bixinhas ficavam sujas, sem braço, com o pé mordido, o cabelo todo cortado errado, pintadas de esmalte e rabiscadas de canetinha. Naquela época eu gostava de ser a “mamãe”, era uma brincadeira e eu só sabia que tinha que cuidar delas.
 
Eu nunca quis ser mãe -de fato- mas eu sentia que isso era minha obrigação, era um dever e que já estava traçado o caminho, bastando apenas eu percorre-lo.
Acontece que eu não vejo problema algum em se tornar mãe, desde que isso seja sua vontade e não por pressão  (tipo, minha mãe quer absurdamente um netinhx, GENTE! Alguém avisa? obg)
Desde que você entenda que isso é uma opção. Você opta por ser mãe ou não. E que você pode ter essa escolha.

 

 

E de onde vem esse desejo de ser mãe, de ter filhx?  Acredito que se uma mulher afirma o desejo de ter um filhx, não quer dizer necessariamente que ela sonhava – a vida toda- em ser mãe. Isso me elucida do quanto a maternidade é um fenômeno social marcado pelas diversidades e pela questão de gênero que nos é subjacente.  E é importante lembrar que a maternidade não corresponde a um acontecimento biológico. Ela é uma vivência que está inserida numa dinâmica sócio-histórica, que relaciona cuidados e envolvimento afetivo e que coloca em xeque a questão do mito amor materno como sendo algo instintivo e exclusivo do papel de mãe.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mas as mudanças e implicações sociais da realização de dessa experiência não afeta da mesma forma todas as mulheres, sejam lésbicas ou não. Então, pra mim faz muito sentido dizer que o amor materno não é inerente às mulheres. É uma soma de todas as suas experiências ao longo da vida que resultam em algo, em desejo da maternidade ou não.

 

Eu vejo muitas mulheres lésbicas ansiando por serem mães logo, por formar suas famílias e o desejo de serem felizes assim. Acho sempre tão lindo, vocês não tem ideia. E eu só penso em como elas desafiam as regras sociais que sempre associam maternidade com -obrigatoriamente-  heterossexualidade.

 

E muita gente ainda relaciona lesbianidade/homossexualidade com a incompatibilidade com a vida familiar. Segundo Foucault (em A história da sexualidade – Volume I, 1988), essa generalização veio da ideia de que os homossexuais representam uma ameaça à família e, junto com ela, à espécie. E isso contribuiu com o reforço de que lésbicas e gays são incapazes de procriar, criar seus filhxs e estabelecer laços de parentesco.
 
 
 
 
 
 
 
 
Muita gente pensa que o acesso à família “natural” só se dá por meio da heterossexualidade (olha o abesurdo!), e nós lésbicas -e os gays- estamos condenadas a um futuro de solidão e isolamento. Isso, além de vincular estreitamente o parentesco com a procriação, vê também lésbicas e gays como membrxs de uma espécie incapaz de procriar, separada do resto da humanidade, ou seja, cidadãos de segunda categoria, por assim dizer.



E assim, eu vejo que a nossa representatividade homoparental ainda é fraca. Porque veja, nossa sociedade ainda é muito baseada no binarismo homemxmulher, mãe/pai e algumas mulheres não veêm nesses extremos.
E também, a difusão de métodos alternativos para engravidar endossa muito a materialização da vontade de ser mãe, mas ainda há um vácuo entre o seu desejar e o acontecer, porque ainda falta muita divulgação sobre os métodos que se tem hoje em dia, falta muita casal lésbica nas capas de revistas contando suas histórias; falta absurdamente, que parem de nos enxergar como anormais por querer ter filhxs, por querer ser mães. Falta aceitar que o fato de sermos lésbicas não nos reduz a nada, ainda mais nos dias de hoje (fertilização in vitro mandou beijos)



Casal Adriana Tito e Munira Kalil El Ourra, com  as crianças.
Fonte: G1 

 

Existe um componente de caracterização que torna a visão de muita gente, totalmente preconceituosa quando o assunto é mãe lésbica.  Por que, veja bem: a maternidade está impregnada de ideais que a fazem ser vista como um papel gratificante, uma “nobre função”, aquela “vocação materna”, ou então o “sacrifico materno”, que é um vocabulário tomado à religião que indica uma mística que é associado ao papel materno.



A mamãe é geralmente comparada com uma santa, e também criou-se o hábito de dizer que boa mãe é uma “santa mulher”. E aí, como uma lésbica poderia ser uma boa mãe se ela é vista pela maioria das pessoas reduzida por sua identidade sexual?
 
 
 
 
Fernanda e Waldirene com as crianças
Fonte: Revista Pais&Filhos
 
 
 
Como aceitar uma mãe santa que faz sexo com outras mulheres? Muitas de nós mesmas, lésbicas, fomos aprendendo ao longo da vida a reter essa santificação da mãe e tudo aquilo que fugisse desse estereótipo -vulgo ser lésbica- era o fim de todas as expectativas.

 

Esse ideal sagrado que se cria ao redor da maternidade, pode parecer para muitxs, um questionamento à sexualidade da mulher.  Ou até mesmo, indicado o desejo de ser mãe com uma suposta “cura” à sua lesbianidade. 
Na minha cabeça, tudo isso que existe é um desrespeito ferrenho, é lesbofobia e uma pré-privação do desejo da mulher.

 

E se tem uma mensagem direta que eu quero passar com esse post, é essa: Lésbica, você pode ser mãe! Adotando, fertilizando, inseminando, o que seja. Esse desejo de ter filhx não reduz e/ou acaba com a sua lesbianidade. A existência de uma criança na sua vida é indiferente da sua orientação sexual e também, indiferente do que toda essa falácea que os religiosos e afins gostam de impor.