Do trabalho ao baile: sem calcinha
Nasci pelada e logo me botaram fralda. Fiquei usando isso por uns 3 anos, aproximadamente (mãe, confirma?). Depois, me botaram calcinha: de bichinhos desenhados, de frufrus, várias cores, etc. Nunca pude ficar sem e por não poder ficar sem, eu acreditava mesmo que era errado. Então, eu continuava usando, mesmo querendo ficar sem às vezes.
Pensei nisso ontem, de madrugada, depois do banho. Cada vez mais eu venho me livrando do uso compulsório das calcinhas e isso se reflete no número de peças que eu tenho atualmente: Cinco. Exatamente. Quando eu uso, geralmente lavo em seguida. Mas eu não tenho usado tanto assim ultimamente… Em casa, por exemplo, eu vou ficar de calcinha porquê? No meu quarto, sozinha, só euzinha… pra quê?! Pelo menos no meu cantinho, quero dar ao meu corpo toda alforria dos panos que lá fora não posso exercer.
Quando era mais nova e morava com a senhora minha mãe, eu até ficava sem sutiã, mas sempre com calcinha. Ficar sem esse pedaço de pano costurado era subliminarmente proibido. Mas eu nunca ouvi uma explicação do porque não podia: “- Ah, porque não pode! Veste isso aí”. Isso lá é resposta que se dê pra criança? Não explicou nada, só estruturou um ponto de interrogação na minha cabeça, de que adianta…
Calcinha encobre a genital. Calcinha encobre a possibilidade que eu tinha de fazer contato visual direto com essa minha parte.
Vale lembrar que fui designada mulher ao nascer, logo, sinais de que eu pudesse encontrar prazer sozinha, com a minha própria mão, me foram negados. Eu faço parte dessa categoria, não tive como desviar desses requisitos.
Por isso que masturbação, pra mim, foi algo ‘recente’.Fui podada de saber as funções dessa parte de mim. Que tudo ali naquela genital, era essencial pro funcionamento do meu corpo e da minha mente. Fui conduzida a negar essa parte do meu corpo mas pude freiar à tempo e redescobri-la, ainda bem. E redescobrir o corpo quando você está empoderada é sensacional. Parece que vocẽ tá se dando um prêmio, você merece muito, toma, é tudo seu! *aplause*
Para além disso, não usar calcinha também é compreendido com uma conotação sexual muito forte. Aquela que a deixa de usar, necessariamente, quer sexo a toda hora, a todo custo. Está disponível. Pois está sem calcinha. Determina que é puta, vagabunda, como pode estar sem calcinha por baixo do vestido? Que é biscate… Retirando todo sentimento que temos do nosso próprio corpo com as coisas que nos fazem bem ou não.
E é claro, que tudo isso em prol do consumo dos homens (patriarcalismo&CIA). Experimenta fazer como a Rihanna saindo com um vestido transparante. Que absurdo! Só quer aparecer… Que gostosa, vem cá. Vão dizer que somos várias coisas, vão se apoiar em vários argumentos mas nunca vão cogitar ser real a possibilidade de estarmos vestidas de acordo com o que sentimos bem. Quero dizer… nunca vão assumir que temos vontade própria, que temos autonomia?! Nem pensar. Não.
Como meninA, eu não podia então saber do meu gential e nem ter prazer e nem deixar meu corpo à mostra, exceto para a ~pessoa certa~ (leia-se: um homem). Eu não podia saber sobre sexo porque menina que sabe demais sobre sexo é safada, e é safada porque gosta de sexo e gostar de sexo não é para as meninas. Entenderam ?
Não obstante, não fazer uso da calcinha também te torna uma mina suja. É, porque você deixa vestir calcinha e perde todas as noções de higiene pessoal, né? [/ironia]. Essas peças são feitas de vários materiais sintéticos, os mais diversos… Impedem a ventilação, esquentam a genital e gente, profileração de bactérias e fungos mandou beijos! A gente tem mecanismos de proteção natural nos orgãos genitais, e enfim.. As saias foram feitas para arejar as partes baixas, gente… Sempre cobertas pelas calças e shorts, né… A saia veio de heroína no negócio (risos).
E a ideia objetificante e consumista de que calcinhas mais ~sexys~ só podem ser usadas para aquela noite especial porque os homens prezam muito a lingerie , porque se excitam, porque “se for bege não pode” A ideologia dos moldes das calcinhas (de qual é sexy e de qual não é) vem de uma noção machista que se materializa na sub-divisão das sessões nas lojas. De um lado: calcinhas para as mulheres. Do outro: calcinha que os homens vão gostar de ver as mulheres vestidas. E aí você tem aquelas minúsculas, que incomodam até, ou aquelas de tirinhas do lado, que se embolam tudo… aquelas pequenas na frente e larga atrás, super estranhas, sei lá…
E os tipos de peças que nos atraem mais, que nos fazem sentir bem e confortável, são rechaçados: seja se você só gostar de usar os modelos “sexys” ou se você só gostar de usar os “não-sexys”. De alguma forma a pressão social vem certeira em nós (seja por revistas, sites de moda, televisão, entrevistas, etcs). Nenhum desvio será tolerado, e lá estamos nós lutando pela nossa autonima de cada dia.
Mas eu não proponho aqui, boicote ao uso da calcinha. Eu proponho aqui, nossa autonomia e empoderamento de decidir sobre o nosso corpo no uso ou não, da peça debaixo. Negando a condução, por parte de outras pessoas, o nosso querer. Enaltecendo nossa vontade e realizando o nosso desejo. Só nosso. O que eu proponho é a insubmissão!
Muito bom o texto, lembrei de minha mãe <3
Você disse que tem 5 peças de calcinha, minha mãe ganha, sempre que me entendo por gente minha mãe sempre teve umas 3 ou 4 peças de calcinha e 1 somente de sutiã. E olha que ela usa vestido a maioria das vezes, haha.
Uso de calcinhas sempre foi desincentivado nesta casa <3
Texto ótimo! Realmente, a gente nem sabe se usa roupa de baixo porque quer ou porque acha que é a única possibilidade.
adorei jéssica! desde criança eu tenho mania, costume… de ficar com a mão na vagina, seja brincando com os pelos, ou com a mão parada… eu acho confortável, mas isso eu só sei porque pensei o por que, porque antes eu ficava sem procurar entender, mas eu tinha que esconder esse costume, quando criança minha avó estava sempre na vigília: “cadê a mãozinha michelle?” e eu tirava correndo a mão de dentro da calcinha. Hoje eu também quase não uso calcinha, e escuto muito que é anti-higiênico, e as pessoas só me escutam se eu der o argumento de autoridade: “quem disse que eu devia foi a ginecologista”. não usar calcinha e ficar com a mão na vagina porque sim (eu poderia estar com a mão na barriga) é ser pra mim mesma.