Das coisas que eu gostaria que acontecesse
Outro dia me perguntaram “mas o que você quer da vida?” e eu achei essa pergunta muito louca porque eu quero tantas coisas como qualquer outra pessoa. Eu não soube responder, então só disse: Responder qualquer coisa seria botar numa escala de prioridades e eu não sei fazer isso… Ainda não aprendi.
Mas desde que comecei a escrever por aqui, eu fui tendo algumas certezas incontestáveis que só aconteceram por causa do meu contato com outras mulheres (trans e cis), seja em debates seja na rua, naquelas conversas despretensiosas que começam e acabam no ponto de ônibus, sabe?
by Marcelina Martin in Lesbian Sacred |
Eu gostaria que as crianças pequenas crescessem sem se preocupar tanto com o seu apetite, que elas fossem valorizadas e se sentissem assim por toda beleza que possuem, que compõe a variedade de suas mentes e seus corpos. Eu gostaria que as crianças crescessem assim, libertas das correntes que hoje me prendem (e que te prende também, pessoa que me lê agora) e que pudessem aproveitar toda leveza e descompromisso que há em ser uma criança. Eu gostaria que os responsáveis pelas crianças, se sentissem relaxados com o apetite da uma menina, tanto quanto se sentem satisfeitos com o apetite do menino. Que não cobrassem uma postura adulta de quem mal conhece a rua que mora.
Eu gostaria que um momento mágico pairasse na vida de cada moça e um dia, uma semana, um ano, uma década – e que elas pudessem relaxar em frente à comida. Que pudessem relaxar frente ao espelho refletindo seus corpos, sabendo como alimenta-lo e o respeitando de acordo com sua convicção pessoal.
Eu gostaria que cada mordida de comida fosse um ato desejado e saboreado, e não um ato de simplesmente engolir a comida afim de preencher anseios emocionais que eu não sei nem nomear ou para preencher sentimentos difíceis de lidar.
Eu realmente gostaria que o tamanho não importasse, que ser grande ou ser pequena fosse igualmente apreciado, porque tanto um quanto o outro, não estão errados. Eu gostaria que uma mulher não fosse humilhada ou aplaudida em detrimento da outra; isso é um dos atos mais terríveis e cruéis que os seres humanos costumam praticar achando que estão muito certos. Dizer a uma menina “Uau, como você está magra, esta linda demais!” cria a certeza de que ela deve permanecer assim, e com isso, toda carga ruim se debruça sobre ela.
Ou então o contrário, amigos, dizer a uma gorda que “mulher tem que ter onde pegar” passa longe de ser algo empoderador pois automaticamente você excluí e descarta outros corpos que não são errados.
Eu gostaria que o comer compulsivo, as dietas, os vômitos, os jejuns fossem somente pesadelos durante uma noite mal dormida, ao invés de distúrbios que deslocam nossa realidade corpórea da nossa mente e traz prejuízos irreparáveis ao longo da vida.
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Que a fita métrica servisse para medir roupas de vez em quando e não que ela fosse usada como uma arma em potencial.
Que a balança não fosse motivo de vergonha perante os olhos alheios.
Eu gostaria que as mulheres fossem pra cama sem se amaldiçoarem pelo que comeram durante o dia, sem prometer a si mesmas – e à outras pessoas- o que vão se privar de comer amanhã, ao levantar.
by Zanele Muholi |
Eu gostaria que quando as mulheres se olhassem, elas vissem uma imagem que pudessem se reconhecer e se identificar, que elas vissem suas belezas representadas em todos os tamanhos, idades e cores tão diferentes quanto nós somos sem a máscara da mídia e da moda destruidoras.
by Roxie Torres // |
Não é fácil não, mas não é impossível, tá? E a sua vontade, o seu bem estar, a sua satisfação, a sua autoestima precisam PERMANECER em primeiro lugar, no top list de prioridades na sua vida. E se ainda houver vestígios de insegurança, lembre-se todos os dia dos seus porquês, que são só seus e muito íntimos. E não interessa ninguém. Só você. Sua felicidade e prazer.