A retroalimentação do patriarcado em um curso



Sobre a matéria publicada na Folha de São Paulo: Leia aqui




Já temos uma gama de artifícios controladores da nossa sexualidade, da nossa vestimenta, das nossas falas, do nosso corpo; e como desgraça pouca é bobagem, ainda há quem acredite ter um molde de mulher perfeita. E o que é pior: VENDE esse molde para título de benfeitoria.
Só que não, gente. Só que muito não!

É a lógica que reforça o sistema patriarcal em nível hard, e ainda pago! 
Pra quem está dentro da Matrix, ler essa matéria causa arrepios, não?
O que foi descrito na matéria não é aquilo que tomo para mim, o meu pessoal. Mas muitas mulheres enxergam nesse tipo de curso, algo que faz muito sentido para a vida delas. Uma via muito mais fácil para se "encaixar" no que a sociedade espera de toda mulher.

É exatamente a personificação da busca pela idealização do relacionamento, do homem -principalmente. Sabe o príncipe encantado? Então, ele mesmo que é buscado.Sabe o estilo princesa encantada? É ela mesma que é buscada.  Dito isto, o que elas precisam para atingir a esse homem e um relacionamento ideal? Espantar a fluidez humana, a naturalidade, a espontaneidade. Porque não fazer um curso para isso? (oba!) Muito mais fácil do que nadar contra a maré. 

Eu entendo que é bem isso que o curso se propõe. Mecanismos para atingir o status que elas buscam. Elas se dispõem a se transformar em Barbies e, olha que existem muitos homens que sonham com a Barbie também.Os homens que acreditam que a "mulher tem que se dar ao respeito", que só serão plenamente mulheres quando alcançarem a maternidade, por exemplo. 
Eu vejo muito esse curso como uma assinatura embaixo, carimbada, assumindo que o mundo é machista, e que a busca por esse homem ideal não é para muda-lo, mas na verdade, para reforçar a base que já nos foi imposta desde muuuuuito cedo. Daí é a hora de fazer a moça indefesa, que não conversa com o garçom, não abre a porta do carro sozinha, não espirra alto, e assim... ficando a mercê dele. Porque pode ser [para elas] mais importante se aliar a quem efetivamente está no poder, na dominação das estruturas -entrar no jogo do vencedor- do que lutar pelo poder das mulheres que ainda é dificílimo de conseguir. 

Elas estão pagando por isso, porque esse mundo delas existe. E é bem este que nós vivemos. 
No entanto, acho triste a forma com que elas estão imersas nessa ótica-de-perfeição-da-mulher. É muito violento e massacrante ver assim, uma escola de submissão para mulheres. Mas esse curso só é mais uma das ferramentas usadas para nos manter permanentemente estáticas; é só mais do mesmo que lemos nas revistas, só que alguém teve a ideia (péssima, diga-se de passagem) de juntar tudo e aplicar em massas pagantes. Ao passo que se valida ainda mais a mulher como secundária e/ou inexistente potencial pensante, gera lucros e solidifica a estrutura machista. 

 


Demonstrar muita independência assusta os homens... Uma mulher independente pode ir contra ele em qualquer situação. Vai levantar e pedir a conta, vai pagar o vigilante do carro, vai até comer sozinha (olha só, que absurdo!). Como se realmente essas mínimas atitudes fossem a carteirinha registrada de uma mulher independente. (ok, vai ver que nesse caso é mesmo.....Zzz)

Falar demais também não pode. Seu direito de expressão é limitado, mulher. Você, que trabalha fora, é dona de casa, é vendedora, é gerente; precisa vocalizar suas exigências o tempo todo; mas aí aparece alguém dizendo que não. Que junto de um homem, sua primeira atitude é se manter submissa para dele (do jeitinho que o patriarcado quer). Despejando toda e qualquer atenção para o macho. Falar somente das coisas DELE, acompanhar e concordar com o raciocínio DELE, sorrir dos comentários e piadas (possivelmente hiper machistas)DELE. Enfim.... ser aquela boneca programada para ele. (Eu também chamo isso de pirocacentrismo)

A gente já vê essa história todos os dias, né? Eu só não sabia que tinha um curso para reforçar o patriarcado e os padrões machistas impostos. Ok, nada mais me surpreende. 
 
“Me reservo o direito de me vestir como der vontade”

Mais uma vez: gordas não são aceitas na agência do amor, porque não são suficientemente atrativas para os machos. Permanecemos na margem gordofóbica excluída, só pra variar. Ainda é reforçado, mais um vez, que o objetivo do corpo da mulher é único e exclusivo para deleite dos homens. Mais uma vez, somos objetificadas, petrificadas; não sendo pertencentes a nós mesmas, mas sim, aos machos... Que querem escolher aquela que mais aderiu aos contornos pré-determinados. 

Pode parecer redundante pra você, mas é por essas e outras que eu NÃO consigo deixar de escrever sobre o corpo positivo. Esse que é gordo e cheio de curvas, o meu. Ou o seu. Não posso deixar que esse tipo de informação passe batido, sem qualquer resposta. Porque essa postura é toda aquela que eu repudio. 
A dona da agência também é uma vítima. Ela também sofreu todo o processo de enxergar a mulher dentro de uma caixinha pré-fabricada, tendo a única forma a ser seguida. Já disse uma vez, e repito: Desembaçar a visão machista e gordofóbica ainda é uma dificuldade para muitas mulheres, uma vez que essas duas vertente umbilicais foram naturalizadas ao longo da história. Mas não é impossível. Nada é impossível para reverter o processo que nos foi aplicado, de ódio ao nosso corpo natural. 

Pensem: Não faz sentido você se calar diante de um homem (qualquer homem). Suas antepassadas foram caladas em fogueiras, aprisionadas.... Você não deve se calar, e nem se sentir culpada por falar. Mulher: tudo o que você fala é importante! Lembre-se disso. 

Não faz sentido você modificar seu corpo sem que o mesmo tenha absoluta necessidade disto. Não faz sentido seguir uma capa de revista, onde a mulher lá exposta também é vítima-prisioneira do padrão. 

Não faz sentido comer menos num primeiro encontro imaginando que isso é causar boa impressão. É comida! Não há problema algum em comer a quantidade que você quiser. Seu caráter e/ou sua personalidade vão ser medidos pelo tanto de comida que comes? Então, hétera, manda esse cara cair fora partindo daí! 
 
 
 


Não faz sentido pensar que falta de maquiagem seja sinal de desleixo. Falta de maquiagem é sinal de que a mulher não quis passar, pelos motivos dela. Existem mulheres que não gostam. Mulheres que só passam um batonzinho pois se sentem melhor assim; mulheres que tem alergias; mulheres que simplesmente não se importam com isso, que acham supérfluo. Isso não é um requisito, não deve ser encarado como tal. 
Nós, mulheres, somos deslumbrantes, e precisamos lembrar disso diariamente. (e não, eu não julgo as companheiras que se sentem bem usando maquiagens, mas só dizendo)

Tem coisas que funcionam para mim mas não funcionam para você. Bem como tem espécies de torturas (eu considero, ok) que eu não aguento, mas que amigas minhas aguentam (tipo depilação com cera, a laser, sei lá! UHUHHHHH socorro!).
Salto alto faz parte desse conjunto. Não funciona pra mim. Não me sinto a vontade usando aquilo. Meus pés apertam, minhas pernas cansam. Salto alto não funciona pra mim. Mas tem mulher que gosta e usa diariamente, aí ok. 
Mas não é o tamanho do salto em que você se equilibra que vai definir sua 'futura relação (tô parecendo muito caga regra? sorry)
Mesmo que os homens olhem para o sapato que você está usando, não será ele que vai definir seu íntimo. Só define o tipo de sapato que você gosta (isso pode ser bem relevante num momento que me mereça presentes, maybe).
 


Mas olha o backlash "Quem quer relacionamentos duradouros não deve transar na primeira noite, e o homem é quem paga o primeiro jantar."

Ah, me respeita! Quem quer relacionamentos duradouros deve fazer aquilo que sente vontade. O casal que quer relacionamento duradouro se apega naquilo que foi acordado entre ambos, e seguem respeitando as regras do relacionamento... Seja fechado monogâmico, seja aberto e livre, seja poliamorista. E não que isso garanta realmente um 'relacionamento duradouro' de fato, mas pelo menos o respeito prevalece, independente do tempo que durou. Transar na primeira noite ou não nunca foi premissa pra quantificar a duração de um relacionamento, porque se fosse.... Eu estaria casadíssima há anos luz! (só que não). 
Dividir a conta do jantar, seja primeiro ou último, nada mais é do que um ato justo. Os dois comeram, os dois beberam -logo, os dois pagam! Acho muito simples e eficaz. 


Me senti bem incomodada com essa matéria (e todas as outras que já passaram por meus olhos com o mesmo teor, blé). O incomodo maior acontece por ver muitas mulheres comprando essa proposta, afirmando -mais do que nunca-  que a vida delas gira em torno de um homem e é isso que elas querem (elas, estas que não estão longe de nós: primas, tias, sobrinhas; colegas de trabalho, colega de sala) para que atinjam o status quo esperado.
Isso sempre me dá um nó no estômago, pelo simples fato de acreditar que uma mulher é auto-suficiente para recusar essas armadilhas perversas. A mulher é autônoma, dona de si mesma rompendo com o sistema do pirocacentrismo (sim, eu sei não que não completamente, a busca por autônomia é todo dia!). 

Exercendo sua liberdade de escolha de parceiros, sexuais ou não. Exercendo sua liberdade de fala e opinião em espaços públicos e privados. Exercendo toda e qualquer atitude diante daquilo que ela não entende como correto. Exercendo toda sua vontade de NÃO USAR salto alto 12. Exercendo toda sua liberdade de escolher o QUE VAI COMER E O QUANTO VAI COMER. Exercendo sua orientação sexual seguindo seu desejo íntimo. 
E acima de tudo, sendo sua própria guia. Porque ninguém diz o que a gente tem que ser (na verdade dizem, mas daí a gente NÃO SEGUE e deixa a galera no vácuo, ok).