Qual é o seu lugar de fala?


Michael Parkes – fantasy realism

Vem cá, vamos conversar. Não sei de que maneira mais eu falo sobre isso, pois é tão desgastante ter que explicar o mesmo ponto várias vezes, que olha… Complicado, árduo. Mas ainda considero necessário e urgente bater na mesma tecla sempre. Recentemente passei por um episódio bem chatinho no tuiter. Eu li um tuite que me deslegitimava enquanto lésbica. Falei com a pessoa, apontei o erro. Pena que não tinha tempo hábil naquele momento pra debater de forma mais concisa. Ao apontar a lesbofobia no tuite, a pessoa começou a enumerar várias pontos do porquê o tuite estava correto, e eu, errada. Buscou argumentos nas amizades pra invalidar o meu (como se isso fosse ok) apontamento. Outras pessoas entraram no debate, depois. Uma delas, uma querida, que não se identifica enquanto lésbica e nem como hétero, foi lá e explicou tintim por tintin a essa pessoa. Ao que entendi, Ela argumentou de forma forte, com embasamento e, por isso, sua postura levou o selo de “Agora sim eu aceito”. Isso me deixou extremamente desconfortável. Partiram do pressuposto de que em toda e qualquer situação, o oprimido DEVE justificar e DEBATER sobre o apontamento que fez à outra pessoa (que sempre vem em situação de privilégio). [ironia] Porque é claro, pode ter sido um má interpretação, e então vamos esclarecer isso [/ironia]. Foi como se a minha fala não tivesse coerência alguma porque eu não apresentei todos os motivos do mundo naquele debate. Foi algo como “você entendeu errado, não foi isso que eu disse”. Foi um grande “tenho até amigos que são”. E para adeptos do diálogo para todo el siempre:  Não achem que isso se aplica em situações entre oprimido x opressor. Se você se coloca como uma pessoa que luta irrefutavelmente contra opressões&CIA, então é bom que você esteja disposto a ouvir.Ouvir: exercício difícil para as categorias historicamente hegemônicas. Sempre estiveram no poder, com as várias armas sempre à mão, disponíveis. Nunca pararam para ouvir aquelas pessoas que ficavam fora do topo da pirâmide. E aí, quanto mais os oprimidos conquistam voz nessa sociedade, mais vocês dificultam o diálogo e alguma possível aliança. Sabem porque? Porque não conseguem SÓ ouvir. A resposta vem rápida na ponta da língua e vocês não se contém em engoli-la. Acreditam mesmo que tudo deva ser debatido, pra ver quem tem  melhores argumentos e daí sim, uma pausa pra refletir se vale a pena hastear a bandeira branca  ou não. Quando alguém  diz que seu discurso é uma merda, que reforça estereótipos, que reforça preconceitos, que desrespeita minorias etc, o ímpeto é da raiva, da resposta grande e assertiva; você fica inconformado com aquilo, busca convencer a pessoa de que  seus argumentos são sim muito válidos e ponto final. Faz aquilo do ” mas não foi isso que eu quis dizer“, ou então fica explicando a mesma coisa que já havia dito como forma de mostrar o quão equivocado estava  quem lhe apontou o erro. Eu também já passei por isso. De errar e ter gente me apontando o erro. Isso cabe em qualquer situação onde tenha uma categoria que subjulga a outra em seus privilégios sociais, não precisa ser só na questão da orientação sexual.

Saber qual é o seu lugar de fala é fundamental para colaborar na emancipação de pessoas excluídas socialmente. É quando você começa a fechar mais a boca e aguçar os ouvidos, que sua aliança com outras categorias vai tomando forma e consistência. E aí sim, vocês conseguem caminhar junto numa militância saudável, onde protagonista e aliado sabem quais são seus lugares nessa luta.

Saber do seu lugar de fala é imprescindível. Saber ouvir, engolir a resposta e ficar quieto é primordial. Não queira deslegitimar isso dizendo que assim, aplica-se então, a ditadura do ~cale a boca~. Veja bem: É no mínimo muito mesquinho da sua parte achar que pode falar e opinar por todos, não acha? Então, não é ausência de debate, mas sim, a forma com que ele é posto. Pode haver debate, mas saiba que é consequência e não obrigatoriedade, não dependa disso para absorver uma crítica/apontamento como sendo válida.

´X°

Não dê desculpas.Não explique. Não responda com ironia. Não.

Eu tenho observado há algum tempo que quando alguém fala merda e é repreendido, a tendencia das pessoas é tentar se desculpar da pior forma possível (mesmo elas achando que tá maravilhoso). Acreditem: Isso acontece mais do que você possa imaginar. Eu já fui repreendida e quis explicar o que não tinha explicação. Ficou feio. Perdi oportunidade de ter ficado calada. Hoje em dia me limito a ficar quieta, repensar sobre o que me foi dito. O tal do “enfiar o rabinho entre as pernas”, sabe? Não tenha problema em admitir isso. É melhor do que se explicar e continuar errando. Tenho pra mim que a melhor maneira que você pode se desculpar é não repetindo de novo aquele erro. Melhor que você dizer “poxa, me desculpa, você tinha razão” , é não repetir. Pedido de desculpas é válido mas não espere confetes por isso. Pedir desculpas e assumir seu erro é massa, mas ninguém vai te aplaudir por isso. Então não crie expectativas sobre isso. Apenas reveja o que foi dito ou escrito. Se esforce para não ser mais uma pessoa que se diz aliada mas sempre contesta o oprimido. Botar a mãozinha na consciência e descer do pedestal privilegiado não é motivo de vergonha. É motivo de inspiração para si mesma/mesmo. Exercite isso todos os dias, lembre-se que isso é uma linha contínua sem fim.

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Angela Davis

   Reflitam

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