Estria nossa de cada dia


Foi na adolescência que percebi realmente as estrias pelo meno corpo. Bem no dia do meu aniversário de 15 anos, naquela festa linda [ao estilo tradicional das debutantes, sabe?], eu reparei nelas. Eu precisei arrumar um vestido longo e exuberante. Foi uma verdadeira peregrinação nas lojas porque né, não fazem vestidos para as gordas, aquele GG cabia num corpo pequeno e não num corpo grande.
Depois de muito procurar, achei uma loja que fazia os modelos sob encomenda. Pois bem, escolhi um modelo básico e tomara-que-caia. Assim que o vestido ficou pronto, fui para primeira prova. Eu quase chorei na frente das duas costureiras: estrias! Nos seios!

Calma, respira… Tá bonito.

Mas não estava. O olhar de reprovação das mulheres olhando aquela menina com estrias nos seios querendo um vestido daqueles, foi algo que me marcou por um bom tempo. No final das contas, eu pedi para fazerem um tipo de coletinho que cobria o colo, porque me senti desconfortável com as minhas próprias marcas.


estrias 04

Mas aí eu fui atrás de alguma alternativa para minimizar e ficar menos aparente minhas estrias. Só que o problema mesmo era “O que as pessoas vão pensar de mim??”  Eu sentia que deveria esconder toda e qualquer imperfeição por mais normal que ela fosse. Era um dever.
Comprei uma base líquida mais aproximada da minha cor e um pó. Essas eram as minhas duas armas para aniquilar aquelas marquinhas que eu, e as outras pessoas, achavam feias.

No dia da festa, quando eu comecei a me arrumar… despejei quilos de base+pó no colo e no rosto. Fiquei parecendo de cera mas ninguém percebeu minhas imperfeições. Toda festa e glamour acabou, mas meu desgosto com minhas marcas não.

Eu tenho estrias na barriga. Nunca fui à praia de biquine ou mostrando a barriga. Sempre olhava aqueles rasgos e me penalizada por ter criado eles. Sempre me diminuía e me maltratava só por ser o corpo que carregava aquilo.
Nunca usei roupa curta por causa da barriga e das estrias. Que abominável seria, uma gorda cheia de estrias com a barriga de fora, né?

Photos by T. Crane

Photos by T. Crane

Então, eis o problema. Eu me preocupava muito mais com o olhar das pessoas; eu me preocupava em estar adequada com o gosto das outras pessoas, deixando bem de lado aquilo que eu realmente queria. Acredito muito que isso acontece com muita gente. A reprovação, a indignação por estar fora do que o outro considera “aceitável” é muito cruel para muitas de nós, mulheres.
É aí que você se percebe num ciclo vicioso de se manter em função dos outros. E o pior de tudo é sair desse furacão, porque vem o medo da rejeição, vem a insegurança, a baixa-estima potencializa… Todas essas coisas ruins que acontecem para te deixar com vontade de nunca mais sair de casa, só para evitar todo mundo.

E se eu te contar que não compensa? Se eu te contar que, quando eu fiz isso me senti alguém falsa e mentindo para mim mesma? Se eu contar que hoje, acho que perdi muita coisa por conta disso? Sim, eu perdi. Me arrependo bastante de ter sido quem as outras pessoas queriam que eu fosse na verdade.

Olhando pra trás, me sinto a pessoa mais idiota do mundo por ter feito o que fiz. Principalmente, por ter me vestido de uma maneira que não condizia com o que sentia. É algo ridículo, vendo de outro ângulo, né? Mas aconteceu sem que eu tivesse me dado conta. Não sei se isso é normal, se todas fazem ou fizeram, mas tenho certeza absoluta que é uma prática NADA saudável.

 

Shanise, 2014 by Tayler Smith

Shanise, 2014 by Tayler Smith

Não existe a necessidade de cobrir seu corpo contra sua vontade. Eu sei, não quero parecer simplista e diminuir o seu sentimento quando uma estria escapa ao olhar. Mas colocar sua vontade em primeiro lugar é  primordial na sua vida. Acho que quem te aponta o dedo por ter estrias ou celulite, esquece de algumas coisinhas…. Peraí, eu sou humana, lembra? Essas marcas podem aparecer e são perfeitamente normais, além do que, não machuca ninguém.
Já olhou suas estrias hoje? Mas de uma forma diferente. Sem nojo, sem vergonha, sem repulsa. Olha-las de forma terna. Porque fazem parte do seu corpo, não  vão sair dali nem com mil tratamentos estéticos e lasers. Elas continuam.

Então, eu acredito que temos duas opções: ou a gente se entende com elas e não se maltrata, ou vive em função para esconde-las sem motivo algum.  É algo como: você quer viver bem ou quer viver insatisfeita?

Até hoje, nenhum dos motivos que já me foram apresentados me fez acreditar que o melhor seria negar as estrias e esconde-las. Falsificar seu corpo para que? Para quem? Não faz sentido, sinto muito.
É o medo de na hora H a/o companheira/o parar o sexo e dizer: NÃO! COM ESTRIAS NÃO!!
Baby, situação irreal. Suas estrias não são seu clítoris. Elas não estão ali para prolongar ou acabar com um prazer sexual, lembre-se disso.
Elas são como suas manchas de nascença ou suas manchas de sol. Ou aquela cicatriz pequena da vacina que você tem no braço. Completamente inofensivas. Completamente inanimadas.Completamente suas! Se faz parte do seu corpo,  faz parte da sua história.

Photos by T. Crane

Photos by T. Crane

Eu nunca vou esquecer do significado que minhas estrias tem pra mim. Foram elas que me fizeram enxergar além do superficial. E eu não considero ‘superficial’ algo ruim, até porque minha superfície é muito boa, minha casca é muito bonita por sinal, obrigada.

Com tudo isso, eu só quero dizer que ter estrias, não te faz uma mulher ruim ou ‘menos’ bonita. Cada mulher tem sua especifidade, e é isso que nos torna únicas. Minha estria não é igual a tua, logo, eu sou linda assim e você também.
Só peço que as trate com mais carinho, e falando isso eu peço que você se trate com mais carinho. Isso é uma forma de emponderamento e quando se sente isso, é algo inexplicável  É muito bom andar na rua sem maquiagem nos seios, ou preocupada em retocar para não aparecer nada.

Não é preciso se esconder. Nunca foi. Tudo o que as pessoas dizem e o  que as revistas mostram, não passa de um fruto envenenado para te fazer mal, muito mal.

 

 MDV-SP

MDV-SP

4 Comments

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  1. 1
    Ana Paula Mattos da Silva

    Nossa, não tenho nem palavras para descrever o que senti quando li teu texto! Lembrei de tantas amigas, conhecidas, parentes e etc. Mas a primeira pessoa de quem me lembrei foi de mim mesma… Não faz muito tempo que conheci o tal “AMOR PRÓPRIO” e vou te dizer, foi a melhor ‘coisa’ que já conheci! Não que os olhares de reprovação tenham cessado, apenas não dou mais bola para eles 🙂

    APRENDI A ME AMAR E A PESSOAS AO MEU REDOR TAMBÉM, AME-SE!

  2. 2
    Alef Bass

    Conheci o blog pelo canal das bee e adorei muito, sou homem, gay e tenho MUITAS estrias. É difícil, principalmente na adolescência, mas hoje já consigo entender que não é a pior coisa do mundo e que eu sou assim e assim que vai ser. Gostei muito do texto, parabéns.

  3. 3
    Nina

    Obrigado por compartilhar esse texto tão empoderador, tão lindo. É tão difícil, saber lidar com essas estrias logo no inicio da adolescência, pra mim foi a partir dos 13 anos e desde então uma batalha incansável para ao menos minimiza-las. Mas,talvez agora eu tenha uma visão diferente, não preciso combate-las, elas não são minhas inimigas, são só as minhas estrias.

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