Aceitação lésbica: o início







Eu tive um período na minha vida onde a minha lesbofobia internalizada foi tão forte, que eu não conseguia ver duas mulheres juntas sem pensar: sapatão! Independente se fossem ou não. E já me afastava, virava a cara, evitava. Sim, foi horrível. Hoje em dia eu olho as casais e fico admirando, porque andar na rua de mãos dadas com a sua companheira e dar um beijo enquanto espera o semáforo abrir: é um ato político! E de muito amor.

Mas eu tive um processo dolorido de aceitação. Negava meus pensamentos, negava minhas vontades (e não só sexuais); negava a lesbiandade da outra. Era como: você é sapatão, ok, mas não seja sapatão perto de mim, nem vamos falar disso e nem dar a entender, ok? OK!  Acho que esse foi o nível hard da minha lesbofobia internalizada. 

Muito isso se deu, obviamente, pela criação que eu tive: totalmente machista. (Até hoje mamãe acredita que beijo mulheres porque é uma fase e me quer casando com um homem).  Uma criação totalmente oprimida e direcionada praquilo que eu não queria de verdade. 

Então hoje, eu lembro de uma amiga no colegial, me dizendo: “Você fica falando muito delas [sapatão]… logo você ta aí, pegando mulher também. Tenho uma outra amiga que ficava falando tando das lésbicas que virou uma”. Acho que eu nunca vou esquecer disso. Todas as minhas amigas lembram da gente apontando as meninas e julgando o quão sapatas elas eram e o quão aquilo era abominável. Mas na real, eu me identificava com elas, mesmo negando veementemente.



Eu me identificava com a forma que elas tinham de enfrentar o mundo mesmo sem erguer uma bandeira política qualquer. Elas se vestiam como queriam, falavam como queriam, gesticulavam como queriam. O problema estava em eu achar aquilo errado. O problema era eu viver em prol do julgamento alheio da vida delas.
Isso tudo foi terrível. Eu não conversava com as minhas amigas sobre como estava me sentindo ‘tão lésbica’ porque sabia da reação delas. E tinha medo.Passei por esse furacão sozinha (e eu não acho isso o mais indicado, viu?!). 
Depois que contei pra minha mãe e  logo em seguida cheguei a São Paulo, eu me vi como as garotas da minha escola. Sendo quem eu queria ser: lésbica, sapatão, fancha e LIVRE, acima de tudo. Adorava sair na rua de mãos dadas me exibindo como parte da casal. Adorava e adoro fazer tudo aquilo que eu bem entendo e da forma que quero.

Eu lembro bem da primeira vez que recebi um beijo de uma mulher no meio da rua: eu fiquei estática, pálida, gelada. Olhava pra todos os lados como quem procura o perseguidor. “PERCEBERAM QUE EU BEIJEI UMA MULHER, OH LORD, E AGORA?????? socorro 



Meu pensamento só se esclareceu quando eu me entendi. Quando eu aceitei minha lesbiandade como algo bom e entendi que era natural em mim. Aí foi que encontrei uma certa paz interior da qual eu buscava há muito tempo, só ficava dando voltas para não me encontrar com ela. Era isso que me faltava: eu, lésbica! Ponto final, e que lindo isso!

 Não é mesmo fácil quando se tem tudo contra e a única a favor é: VOCÊ.  Mas a lição que eu tirei desse período todo foi que: eu só me machuquei. Foi uma espécie de auto-mutilação sem sangue, e que eu arrisco dizer, que foi bem pior do que se tivesse. Com sangue era só lavar, pressionar um pouco e deixar queto que passava. Mas o tipo de violência cometido contra si mesma, nesse caso é muito mais forte e difícil de lidar. É na cerne. No seu íntimo. Não é tão simples quanto as pessoas imaginam “é só se aceitar, ué”. Depois de ter internalizado massivamente um preconceito contra si mesma, fica tudo 10x mais difícil. Foi tenso, muito complicado. Mas com o tempo e as experiências advindas dele, tudo amenizou, se transformou e minhas inquietações com isso já não existem mais. 



Hoje eu quero mais todas as mulheres se amando da forma que bem entendem, sem as amarras sociais que lhes cerceiam diariamente. Hoje eu quero muito mais beijo entre as casais ou não, na rua, no espaço que quiserem! Hoje eu quero ver mais carinho emanado pelas ruas dessa nossa cidade cinza-bonita. Quero mais todas as meninas e mulheres: cantando-tocandobateria-guitarra-baixo-piano-teclado; no topo da pirâmide; comandando suas vidas e não se deixando comandar. 

Quero absurdamente que você aí não sinta repulsa de si por gostar de outras mulheres. Não há nenhum problema nisso, alguém já te disse? Tá tudo bem, isso não foi um erro de criação da sua mãe ou do seu pai. Isso não foi um erro seu. Lembre-se disso todos os dias caso for necessário. 

Tudo bem sentir desejo pela outra; ficar apaixonada pela vizinha da frente. Tudo bem, de verdade, suspirar pela professora de matemática. Sério, é normal. Mantenha a calma e dê um passo de cada vez na sua vida, mas não esquece que é completamente normal ser lésbica. É totalmente lindo, é absolutamente delicioso amar uma mulher! 
E mesmo que não seja uma mulher, mas que o desejo se basei somente no seu sentimento ímpar e não por imposição social. 


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    Julia

    Que bonito, Jéssica! Eu quando tinha 11 ou 12 anos, já meio apaixonadinha pelas colegas, pensava comigo mesma: EU ME IMAGINO BEIJANDO UMA MENINA? NÃO, NÃO IMAGINO, ENTÃO NÃO GOSTO DE MENINAS! E vivi toda essa mentira até os 17/18 anos, querendo me fazer achar que meus pensamentos eram errados e impuros. Ainda não sou assumida e às vezes tenho um pouco de dúvida ainda. Mas tudo se resolve. Não tenho vergonha de ser quem eu sou, mas um pouco de receio com a recepção da minha família.

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