#7 compartilhado


O que tenho percebido no auge dos meus 28 anos é que a gente precisa lutar cotidianamente pra EXISTIR. Não é lutar pra ser feliz, pra “ser aceita” (aceitação o caralho, quero o fim da gordofobia!!!).

 

Por Bruna Barlach

Sabem de uma coisa? Eu sou gorda. E não fofinha, rechonchuda ou gordelícia, eu sou gorda mesmo. Nos último 10 ou 12 anos nunca estive abaixo dos 100 kg. Quem olha pra mim ou me conhece certamente vai se lembrar como “aquela mulher gorda”. Claro que outros adjetivos podem vir junto com esses, mas mulher e gorda estarão sempre lá.

Eu quase sempre fui gorda, ou pelo menos sou lida assim desde meus sete anos. Aliás, com 6 pra 7 anos foi que sofri o primeiro grande ataque gordofóbico, e foide uma garota da minha idade (esteja onde estiver, Renata, não te perdoei). Foi tão sério que minha mãe teve que pedir pra me mudar de sala na escola. Daí pra frente foram histórias e histórias fodidamente tristes. Além de ser gorda e mulher eu ousei ser um pouco diferente da cartilha “o que cabe a uma mulher (gorda)”: pintei sempre o cabelo de todas as cores, vestia roupas “diferentes”, gostava de músicas diferentes, não gostava só de homens e por aí vai.
Aos 12 eu sofri meu primeiro abuso sexual mais grave. Não sei se vocês sabem, mas o corpo da mulher gorda é especialmente propriedade pública, mais ainda do que das mulheres em geral. Afinal de contas, se você é gorda não pode negar um abuso, um estupro, não pode negar nada. Você é gorda, é isso que o mundo reserva pra você. Quem mandou ousar ser gorda?
Depois desse episódio grave vieram anos e anos de relações problemáticas com gente que achava que por eu ser gorda eu tinha que aguentar qualquer coisa. Relacionamentos abusivos de toda sorte, com todo tipo de caras escrotos.
Mas por algum motivo eu nunca me achei feia. Nunca, não vou dizer, mas normalmente, ao olhar pra mim eu pensava “Poxa, eu sou tão gata, não entendo qual a crise das pessoas com o fato de eu ser gorda”.
Nos últimos 16 anos foram raros, raríssimos os dias que eu não pensei em tirar minha vida. Sério mesmo, eu acho que precisamos começar a falar sobre isso com todas as letras: eu tentei me matar, quis me matar e planejei fazer isso muitas vezes. Já me cortei, já tomei remédios e já planejei outras formas mais eficientes de conseguir sucesso nessa empreitada. E eu sei que não sou só eu, muitas mulheres passam por isso, mas especialmente mulheres que sofrem um combo de opressões, como mulheres gordas, mulheres trans*, mulheres lésbicas… e muitas levam isso até o fim. E eu não as julgo, compreendo muito bem o que é precisar resistir todos os dias.
O que tenho percebido no auge dos meus 28 anos é que a gente precisa lutar cotidianamente pra EXISTIR. Não é lutar pra ser feliz, pra “ser aceita” (aceitação o caralho, quero o fim da gordofobia!!!). A gente tem que lutar pra existir numa sociedade que não permite que existamos. Não permite de forma muito explícita quando não temos roupas pra vestir (estou há uns seis meses procurando um sutiã pra comprar, sem sucesso), quando não podemos nos sentar num restaurante (incontáveis as vezes que eu passo todo tempo que estou sentada numa cadeira me apoiando numa perna ou esmagada e com dores enormes), quando não podemos andar de avião (a última vez eu voei e o cinto de segurança não cabia eu desabei a chorar, parabéns companhias aéreas, vocês estão de parabéns), quando somos constantemente impelidas a fazer uma cirurgia bizarra para “curar a obesidade” (e eu conheço pessoas que morreram por conta dela, que passarem meses em coma, que nunca mais tiveram uma vida normal, que não podem sair pra comer, são incontáveis histórias tristes e acham que tá ok fazer essa merda de cirurgia), quando as roupas que existem são feias e caras, quando as pessoas nas ruas nos olham com nojo e desprezo, quando desenvolvemos distúrbios alimentares por conta do julgamento das pessoas sobre nossas escolhas (eu não consigo comer perto de alguém que eu não confie muito).
Nessa luta pra existir eu ganho alguns dias, perco vários. Tenho ao meu redor pessoas incríveis que me amam, me desejam, me inspiram e que fazem com que o fardo de ser mulher e gorda pelo menos não seja ignorado. Porque esse é um peso que ninguém pode carregar pra você, infelizmente, que você tem que carregar sozinha. Mas é claro que todas as pessoas que sentem empatia pela minha história, que é a história de tantas outras mulheres gordas, podem ser nossas aliadas na luta pelo fim da gordofobia. Sei que não vou viver pra ver isso, mas vivendo um dia de cada vez, eu espero que amanhã doa menos que hoje e que só por mais um dia eu consiga RESISTIR E EXISTIR.

2 Comments

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  1. 1
    Patricia

    Tem pessoas nas quais a sociedade não cabe. A ousadia da Bruna se vê não só na luta contra a gordofobia, mas no reconhecimento das suas próprias fragilidades. Como oprimida, sabe que ter as fragilidades e assumi-las é parte dessa luta inglória e cotidiana. Sua beleza é material, mas transborda, vai além, e aí está a superioridade de quem decide realmente existir.

  2. 2
    Deise

    Meu, tô aqui lendo seus desabafos e, entendo fico feliz por vc e muitas outras vc resistir e existir. “Almas” como a sua cruzam nossa vida e nos surpreendem da forma mais linda e, de coração aberto. Desejo um universo repleto de alegrias e que ele conspire sempre a seu favor!

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